domingo, 29 de maio de 2011

ARQUIVO VIVO

Obax anafisa.

Hoje a madrugada está boa. Sinto que “a oportunidade está dentro das mudanças”¹. Os quatro adolescentes de ontem, fumando craque na madrugada, já passaram. Não vou voltar atrás. Ouço um galo anunciado o nascer do sol. Ele está eufórico feito eu. Falta muito para a aurora e ele já está de prontidão. Não será pego de surpresa. Estará de asas abertas para receber o sol. Nada vai estragar meu dia. Nada! Minha mãe cantarola enquanto prepara o café. O que vou mudar? Meu corte de cabelo? Não, acho que não. Não sou mulher. Bem que ele precisa de um cortezinho. Minha barba, então. Nem se fala. Será uma mudança. Duas, na verdade. Mas acho que a mudança deve ser outra, mais profunda. Você não acha? Sonhei com bastões de incenso, pessoas conhecidas orando. Enterro do Dr. Rinaldo, ex presidente da Usiminas, ex conselheiro do Gaaalooooo! Uma cantora elitista chorando tão contrita que não acreditei que estava sentida. Estou dando aula de iniciação teatral para adolescentes num espaço cedido por uma Igreja. Assistimos uns curtas falando sobre drogas e sexualidade. Alguém da Igreja ligou para o Pastor dizendo que eram filmes pornográficos. Fiquei ofendido. Primeiro porque arte não é vulgaridade. E eu sou artista. Depois porque me chamaram de burro. Corromper adolescentes com portas abertas para todos na rua e o pedreiro que trabalhando no salão nos verem é o cúmulo da topeirice. Uma coisa que preciso mudar em mim e acho que dou conta é agradecer mais. Reclamar menos. Voltar ao que eu era antes... Não é gemendo e chorando num vale de lágrimas que as coisas vão mudar. Pelo menos para melhor. Vou passar o dia de hoje agradecendo. A tudo. A todos. Haja o que houver, agradecerei. Obrigado, obrigado, muito obrigado! Estou muito tempo sem pegar Grandes Sertões: Veredas para continuar a leitura. Guimarães vai ficar bravo comigo. E é tão bão... Por falar em João me lembrei do Jessé. Ambos são Rosa. Bom artista dos palcos. Legal vê-lo sábado no Parque Ipanema. Não aconteceu nada especial. Só o vi, panfletamos juntos a divulgação do novo espetáculo do Farroupilha. Pouco falamos além dos cumprimentos de praxe, mas foi suave vê-lo. Posso mudar mais alguma coisa? Bem! O GASP – Grupo de Apoio aos SoroPositivos – mudou de endereço. Está agora na rua Esmeralda, 15 bairro Iguaçu. Aqui em Ipatinga. Posso mudar mais alguma coisa em mim? Xovê... Ah! Está na hora de sair com meus cachorrinhos. Eles estão ansiosos. E o sol não tarda a chegar. Eu e o galo o esperamos.


Ofereço como presente de aniversário aos meus queridos

Kilder Willianker, Dom Nato, Leandro da Silva.

Escrita entre a madrugada de 25 de abril e 29 de maio de 2011.

¹ Masaharu Taniguchi.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas.

O cronto é minhas flores para você

e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

domingo, 22 de maio de 2011

CAMUFLAGENS

Obax anafisa.

Manhãs de sol na Praça Caratinga. As acácias balançam ao vento. Os canteiros elevados ricos de verde. E os sorvetes, os doces e, não posso esquecer, os livros. Minhas bonecas. As borboletas. Os bem-te-vis cantando.

Ela camufla sua covardia num suicídio. Ele, num ato de violência. Um segue o que o outro manda e todos perdem. E eu quero contar. É assim minha participação nessa estória. Ah! Quanto quero contar sem ter que ser julgada e simplesmente aceita. Mas nos calamos, os três, quando queremos dizer algo.

Eu e minhas bonecas acompanhadas por livros vemos espetáculos no Parque Ipanema.

Minha querida Letícia Duns contou-me uma estória interessante e que se parece com essa aqui. A dela é resumidamente assim. Um escritor, para pegar ideias para seu livro... Um aparte, após muita relutância estou começando a aceitar a nova ortografia. Viu que escrevi ideia sem acento? É a penalidade por estudar Letras. Tem que se conformar com bobagens, digo, com a nova ortografia. O escritor de Letícia para se inspirar se aproximou de uma garota de programa. Seduziu-a. Comprou-a. Matou-a. E assim ele se fez estória.

Que domingos bons na cachoeira. Ler e nadar ou andar pela mata ouvindo no bosque os pássaros cantando.

A nossa estória... Outro aparte. Estou aceitando, mas não tanto assim a ortografia. Ainda insisto em diferenciar história de estória. Mesmo sabendo que tanto uma como outra não passam de ficção. A nossa estória, porém, se passa tendo-me como mero fantasma das perdidas ilusões. Nossa! Que coisa mais cafona. Linda, mas cafona: “... perdidas ilusões”. Saio do aparte. Déborah é artista da dança e Ricardo é artista plástico. Eles são os nossos heróis – Rarrá – e vilões. E tinham uma irmã presa num cubículo espancada por Déborah e violada por Ricardo. Elisa não lutava mais. Já chorou, já gritou e até lutou. Agora só fica deitada. Descrever os detalhes eu me recuso. Sou o fantasma das perdidas ilusões – Rarrá – de Elisa e não um diabo para atormentar quem quer que seja, leitor, leitora ou ela. Conto a infância, o princípio da juventude. Conto onde ela se esconde para suportar. Ela que recebeu esse nome em homenagem à escritora Elisa Lispector se cala. Então eu falo.

Manhãs de sol na Praça Caratinga no Contingente. Para vocês de outra cidade, fica no fim do Centro diante da linha do trem dentro da Usiminas. As acácias balançam ao vento. É cada cacho de acácia. As palmeiras imperiais. Os canteiros elevados e o cimento para andar. É lá que eu brincava, no cimento. Às vezes nos canteiros. Entre os barulhos dos carros e da empresa. Mas tão pouca gente passava que mesmo sem outras crianças era divertido. E os sorvetes, os doces e não posso esquecer, os livros. Primeiros amigos, primeiros namorados, verdadeiros pais, verdadeiros... Talita, Keten, Clara, Mariana – minhas bonecas. Pequenas amigas. As borboletas. As comuns eram bruxas, mas tinham amarelas e brancas. Outras também apareciam. Vê-las, correr atrás. Que delícia. Os bem-te-vis gordinhos cantando. Dois eu sempre via lá. Sei que eram os mesmos. Não sei como. Apenas sei. Eu os chamava de Victor e Mateus.

As manhãs na cachoeira antes do almoço. Que domingos bons. De manhã, nadar ou andar pela mata com minhas amigas, as bonecas Mayra, Larissa, Sarah, Carol. À tarde, ler. Com meus amigos e... com meus livros entre as árvores perdidas do bosque. Vendo as formigas e outros insetos passarem. Os pássaros cantando. Meus... a gente brincava. Mas vamos lembrar de outra coisa. Não deles.

Parque Ipanema quando tinha espetáculo. Algum grupo da cidade ou de fora. Teatro, música, dança. Eu ia com uma boneca e um livro. Picolé, refrigerante e banana frita comprava lá. Bom ver A Princesa Engasgada, fragmentos de Kizomba e Terceira Idade: Encontro com a Memória. Lindos espetáculos de teatro e dança.

Os pais sempre viajando. Num domingo de sol e frio batem na porta. Quebram-na. Déborah canta “Meu coração é só de Jesus. Minha alegria é a Santa Cruz” com uma faca no peito. A voz silenciando vermelha. Ricardo fere um e outro antes de ser contido.

Sentada, sinto o frio ao sol. Mas não quero me lembrar... Prefiro: Na Praça Caratinga as acácias balançavam ao vento nos canteiros elevados ricos de verde. Eu e os livros. Que saudades deles. Acompanhada por livros no Parque Ipanema. Sinto saudades deles. Mas aqui é mais seguro. Lendo nos bosques da cachoeira eu me sentia segura. Mas não estava. Preciso voltar a sonhar. Mayra, Larissa, cachoeira, Sarah, Carol, acácias, Mateus, Victor, Talita, Keten, teatro, Clara, Mariana. Os livros. Os livros. Meus pais, meus amigos, meus namorados os livros.


Ofereço como presente de aniversário a Rodrigo Rangel.

Ofereço a todos os meus colegas de Licenciatura Letras da UnB – pólo Ipatinga. E aos novos professores e tutores do meu segundo bimestre.

Ofereço ao cartunista EDRA, de Caratinga,

que esteve em Ipatinga lançando seu livro de cartuns “SE RI EU CHORO...”.

Escrito entre 23 de abril e 22 de maio de 2011.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas.

O cronto é minhas flores para você

e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

QUEM É DE FERRO

Estou de semi luto, mas ainda lhe desejo obax anafisa.

A idéia original do cronto que escrevo é de Pedro Henrique Oliveira Santos, aluno da E.M. Márcio Andrade Guerra, no bairro Veneza II, Ipatinga MG. Em fins de março de 2011 li sua estória e do que guardei na memória reescrevo encerrando na manhã de 16 de maio de 2011.


Numa tarde bem quente de aula a professora explicava para seus vinte e cinco alunos uma de suas matérias.

- Guarde o carrinho, João. – Fala a professora e João guarda o brinquedo e expõe uma careta que a professora finge não ver. – Vamos fazer agora uma redação com no mínimo vinte e linhas e no máximo trinta. O tema é “Descobrimento do Brasil”.

- Pare de falar, João.

E o silêncio quase se instaura enquanto a garotada faz o dever.

- Volte para o lugar, João.

Enquanto isso Pedrinho, bom menino, bom aluno pensa no livrinho que, coincidência ou não, viu e leu em sua casa ontem “Carta de Caminha: A Notícia do Achamento do Brasil” e que lhe servirá para a redação de hoje. Lembra direitinho de algumas falas iniciais do texto, mesmo não tendo entendido muito bem o significado das palavras estranhas “seguimos nosso caminho, por este mar, de longo, até que, terça-feira das Oitavas de Páscoa, que foram vinte e um dias de abril, estando da dita ilha obra de...” – ai falha a memória; números não são seu forte. Mas também não interessa a distância que estavam. Mais interessante é outro ponto adiante. – “Neste dia, a hora de vésperas, houvemos vista de terra! Primeiramente dum grande monte, mui alto e redondo; e doutras serras mais baixas ao sul; e de terra chã, com grandes arvoredos: ao monte alto o capitão pôs o nome – O Monte Pascoal e à terra – A Terra da Vera Cruz”. Mais ele não lembra. Pelo menos não com as palavras do livrinho.

- João! Para de mexer com Lyz. Devolve o estojo dela, menino.

Já deu para você entender que são assim todas aulas, todos os dias.

- Sua bruxa filha de uma puta. – Falou João. Mas, para ele infelizmente, não baixinho o suficiente para não ser escutado. E como se era de se esperar a professora falou

- O – que – você – disse, – João?

Com cara lavada

- Eu não disse nada, fessora.

A professora com olhos em brasa arrematou

- Carlinho, vai chamar a diretora.

Enquanto o menino se levanta e sai

- Você agora está acabado. Não fica aqui nem mais um minuto.

E continuou falando, falando e falando. Chega a diretora, que se inteira da situação, e o resultado foi uma semana de suspensão. Enquanto isso João planejava uma vingança violenta. Colocar um sapo na bolsa da professora. Uarrarrá!

Pedrinho, sem saber da vingança, cruel numa visão infantil, e por ser um bom menino, conversa com João. Fala para ele ser mais bonzinho. Que Papai do Céu está de olho. Que se ele emendar a professora será legal e etc. João pensando nas palavras do amigo resolve seguir os conselhos dele e virar um bom menino. Pelo menos foi assim, em palavras minhas, o fim da estória que Pedro Henrique escreveu. Agora vejamos como será o final que vou dar (ainda não sei. Vou pensar. Por enquanto vou parar e só depois recomeçar a escrever. Até daqui a pouco. Só um esclarecimento, gostei da estória do autor original e quero apenas refazê-la ao meu modo e não desfazê-la).

Passa a semana e outra começa.

- Laudemirzinho! Fez a redação que pedi?

- Redação, fessora?

- É menino! A redação sobre a praia, o mar, que você está me enrolando desde semana passada.

- Sabe o que é, fess...

- Não pense que esqueci. Quero agora. Já te dei um prazo maior que o dos outros.

-

- Anda menino!

- Eu nunca fui à praia.

Não comento (preciso?) a cara da professora e de um ou outro aluno. E talvez ela tenha dito algo como “Por que não falou antes?”. E porque estou dizendo “talvez ela tenha dito”? É que deixo por sua conta a reação dela.

Mas voltemos ao João e à professora, Dna. Paula. E sem mudar muito o final que Pedro Henrique deu.

Dna. Paula, furibunda, queria a expulsão do garoto e não aceitava apenas mera suspensão. Mas como toda raiva passa com o tempo ou ao menos diminui. É como ela leu em um livro chamado O Livro dos Jovens. Nunca escreva uma carta ou discuta quando se está com raiva, pois só conseguirá tornar a situação irreversível. E foi pensando e se lembrando que, como educadora, é preciso ser firme para não condescender e ter amor para não se amofinar decidiu dar outra chance ao aluno. Foi uma decisão íntima; não compartilhada com ninguém. Ela é humana. Erra e acerta. Errou com Laudemirzinho e com a turma por exigir algo que eles não têm experiência prática – redação sobre mar em Minas Gerais? –, mas está pondo em prática o que sabe com João. Ao menos vai tentar mais uma vez. Se não der certo aí já será problema que o moleque deverá resolver por si que a vida sabe ser dura.

O dia seguinte foi o retorno de João. Que estava em dúvida.

Abro mão da vingança maligna ou sigo o conselho do Pedrinho?

A professora também estava em dúvida.

Ponho em prática o que decidi ou conservo a antipatia?

Eram dúvidas meio inconsciente; não claramente discutida. Está me entendo? Mas creio que você já sabe quais foram as decisões de ambos. Afinal, a estória é sobre isso. O difícil foi superar a antipatia mútua. João se coçava para conversar e bagunçar, mas se segurava. Sem muito êxito, claro. Porque ninguém é de ferro. Mas reduziu. A professora se coçava de aversão e conseguiu segurar a língua umas duas vezes para não destratar o pestinha, digo, menino. Enfim, o tempo foi passando. Ambos se empenhando. Fracassando e se contendo. Até o fim do ano. Talvez nunca se lembrem com saudades um do outro, mas sempre saberão que aprenderam um com o outro e com a turma.


Ofereço como presente de aniversário aos meus queridos

Rodrigo Davila, Adê Araújo e Júnior Pinheiro.

Em especial, à minha querida cunhada Neuili Mª Macedo Leite.

Ofereço também à UnB pólo Ipatinga, aos estudantes, tutores e professores

das Licenciaturas em Teatro, Música e Artes Visuais.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas.

O cronto é minhas flores para você

e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

O ENCONTRO MARCADO

Não nos aconteceu. Não! Não houve um encontro marcado entre nós – eu e o livro –. Foi por acaso que eu o ouvi, digo, o vi na mesinha dos descartados. Foi assim o nosso encontro.

Disse acima e corrigi, mas pensando melhor foi assim o nosso encontro. Primeiro eu ouvi algo. Depois ouvi um chamado; o chamado, para ser mais preciso. Olhei à procura, meio sem curiosidade, para onde achei vir o som e nada. Ouvi de novo e dessa vez acertei o som que vinha da mesinha. Era a voz não sei se do Fernando (nunca ouvi) ou se do livro (não sei se da obra ou se do exemplar) me convidando com ênfase de apaixonado.

Apaixonado! Exclamarão alguns leitores. Apaixonado? Perguntarão os engraçadinhos e completarão sarcasticamente (ou algo assim) Machos apaixonados.

Por que não?

Eu, homem – em espécie e gênero –, ele, livro.

Não vamos entrar no mérito da legalização da união estável entre pessoas do mesmo sexo nem na confusão de ontem no Senado¹. Entro no mérito que amo os livros e sou por eles amado e que minha alma se emociona com a alma – estória – dos livros e meu corpo se emociona com o corpo deles – como diz Rubem Alves no livro “O Gato que Gostava de Cenouras” –. Gosto de manuseá-los.

Agora, com licença. Vamos, eu e o livro, a um caso de amor eterno enquanto durar e mesmo quando acabar voltará à vida em outros casos de amor entre nós dois.


Escrito na manhã de 13 de maio de 2011

Ofereço como presente de aniversário aos meus queridos

Adilson Mariano, Max Tenios, Elisângela Guilherme, Rosagela Sulidade,

Fábio Neres, Roseny Macedo, Léo Coessens, Sinésio Bina e Beto de Faria.

Ofereço aos meus colegas de Licenciatura Letras da UnB – pólo Ipatinga, em especial

Reginaldo R. Gomes, Rodrigo M. C. Silva, Roseli Ap. M. Carvalho, Sandra R. Vitor, Sandra S. Lievore, Sueli M. B. Silva, Tatiana C. S. V. Brandão e Wellington P. Santos.

¹ Em 12 de maio de 2011 os Senadores Marinor Brito e Jair Bolsonaro trocam agressões físicas e verbais pela homofobia de Bolsonaro. Ele, além de servo de profundos preconceitos raciais, distribuía panfletos contendo “O governo está distribuindo nas escolas de primeiro grau uma cartilha estimulando nossas crianças a serem gays” enquanto responde a representação no Conselho de Ética da Câmara por crime de preconceito racial.