domingo, 28 de janeiro de 2018

DOR VERMELHA E ÚMIDA

  
Leitura do cronto pelo autor no canal aRTISTA aRTEIRO:

Noite. Nem lua nem estrelas. Só nuvens escuras na noite; coisas que não se sentem sem ver. Desde três dias tem andando sem pausa. Aguentou os pés cansados. Depois não os sentiu mais. Uma nova dor surge. Úmida. Vermelha.
Diante de um hotel imundo – Califórnia Hotel – entra e pede um quarto. Olha pra cama, mas se senta à mesa e escreve em papel que tinha esquecido no bolso. Na cabeça, sua voz. Rouca e cansada. Escreve:
Olá! Vou tentar contar minha história.
Visito um meu irmão; não me recebe de braços abertos.
Buzina de carros na madrugada ao meio mal chegam aos seus ouvidos.
A filha de meu irmão diz para a família que era meu aniversário. Sabia, pois tinha visto no... Não entendi onde.
Meu irmão me diz: “Não deveria visitar os outros no dia do aniversário. Não deveria me visitar em seu aniversário. Não comprei nada para você.”.
A resposta, claro, foi: “Não vim para te ver pensando em presentes. Vim para te ver, só isso.”.
“Tenho que sair”, disse me convidando a ir embora. “Te dou carona até o Centro”.
O gemido da janela ao vento corta a ele e a noite.
No carro havia um grande embrulho. Presente para a irmã de minha cunhada. Não se lembra de mim, mas não se esquece da cunhada. Não deixo de pensar. Mas não era isso que queria; o que me surpreende – e não deveria – são as falas e o gesto.
Chego a minha casa e minha mãe se prepara para viajar. “Cuide da sua avó. Não tardo a voltar.” Estou sem dinheiro e tenho que trabalhar, mas cuido da casa e da avó.
Sem dinheiro para ir ao serviço terei que caminhar; longe, em outra cidade. Anoitece, durmo, levanto, preparo o café. Saio cedo para chegar ao trabalho no início da tarde.
A janela geme com as buzinas e com minha voz rouca em minha cabeça.
Sem dinheiro e sem poder faltar à aula vou andando. Vou andando, andando, andando, andando. Chego aos limites urbanos da cidade. Depois um espaço verde, sem casas. Os limites urbanos da outra cidade. Vou andando, andando, andando, andando, andando, andando. Duas horas da tarde percebo que ainda estou longe.
Minha voz rouca sai da cabeça e geme com as janelas. Ninguém nos ouve. Pela janela à noite sem luz.
Minha infância na escola foi de risos dos colegas. Não volto para minha cidade. Continuo a andar. Andarandarandarandarandarandarandarandarandarandarandarandar.
Três dias de sol forte. Três noites sem luz.
Cansando. Com fome. Sem dinheiro. Minhas pernas doem.
A alguém peço um rumo. A alguma pessoa numa igreja. O sujeito me indica o caminho.
Sigo.
Não sei se não compreendi, se ele se enganou ou se me iludiu.
Fui parar em uma chácara.
Entrei.
Quis voltar, mas bodes e cabras me impedem o retorno.
Grandes cães aparecem à frente e com eles um estrangeiro surdo e de mau português. “O que está fazendo aqui?”, pergunta-me com uma arma.
- Eu me perdi.
- Que está fazendo aqui?
- Procurando emprego. Preciso de dinheiro. Busco uma entrevista.
- Entrevista? É jornalista?
- Não! Entrevista de emprego... Sou professor.
Atira-me. Mas estou aqui.
É noite sem luz, buzinas na rua, gemido da janela, voz rouca, cabeça ruidosa. Estudante agredido. Professor agredido. Uma dor vermelha e úmida na cabeça no Hotel Califórnia.


Ofereço como presente aos aniversariantes:
Alexandre Farah, Marileuza Lopes, Celma Anacleto, Iuri Cupertino, Isaac Andrade, Andriza G. Souza N., Ronalto S. Galvão, Rodrigo C. Andrade, Raul F.M. Leite, Monica Cuba e Graça Costa.

Recomendo a leitura de
“Manifesto em Apoio ao Presidente Lula”, de Josué da Silva Brito:
“O Excedente Ilusório ou ‘Que Tiro Foi Esse, Viado?’”, de Sued:

 Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve e publica neste seu blog literário aRTISTA aRTEIRO todo domingo e colabora no Ad Substantiam às quintas-feiras.  É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. E em breve também professor de História. É graduado em Letras-Português. É pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”; autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).
 Imagem de Jeferson Adriano.


Escrito na manhã de 23 de outubro de 2017; partindo de um sonho que me acordou às três e meia da manhã. Trabalhado entre os dias 25 a 28 de janeiro de 2018.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

ARTE BONITA

Encham as prisões
Dá-lhes ração
[Não de cães
– Estes não merecem degradação
De comida de pobre].
Purifiquem à bala, à forca
Para a melhoria da cidade.
Para o nobre exercício do
Futuro pedido de perdão
E a geração dos netos da sociedade
Treinar arte bonita
De homenagem póstuma.
E os bisnetos
Prenderem
“Racionarem”
Reacionarem
Limparem
Perpetuarem.


Ofereço como presente aos aniversariantes:
José C. Pinho, Mariana C. Leite, Emilio Bigote, Tatiane Moreira, Andreza Costa, Jhomar Sayo, Antonio Netto, Thays L. Macedo, Ivone Piló, Laio Moura, Andreia Bragança e Chrystian Stocler.

Recomendo a leitura de
“O Excedente Ilusório ou ‘que tiro foi esse, viado?’”, de Sued:
“Canção para Cecília”, de Xúnior Matraga:
“Vulnerável”, de Girvany de Morais:
“A Mão que Estende”, de Bispo Filho:

Sobre a ração humana:

 Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve e publica neste seu blog literário aRTISTA aRTEIRO todo domingo e colabora no Ad Substantiam às quintas-feiras.  É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. E em breve também professor de História. É graduado em Letras-Português. É pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”; autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).
Foto de Vinícius Siman.


Escrito na madrugada de 23 de outubro de 2017 partindo de um poema de Vinícius Siman postado no facebook na noite anterior. Trabalhado entre os dias 12 e 24 de janeiro de 2018.

domingo, 14 de janeiro de 2018

RELÓGIO DE PONTEIRO



Leitura do texto pelo autor no canal aRTISTA aRTEIRO:

Já houve relógios de ponteiros
Eles registravam dez e dez
E marcavam oito e vinte
Como reais seres humanos
De bons momentos
E maus momentos.
Hoje não se vê ponteiros
Exigem pessoas
Com autoajuda
Proibitivos lamentos
E obrigatórios risos
Não sei se realmente prazenteiros.


Ofereço como presente aos aniversariantes:
Dalgreis Lage, Raíssa Fernandes, Thays Júnia, Aline Alves, Diana Duarte, Marrione Warley, Karine M. Pereira, Lauriano Tchoia, Nanda Abrahão, Daniele Roza, Laiza C. Silva, Luciana Hermógenes, Patrícia Nunes, Felipe Wallace, Vanessa Lessa, Dulce Pereira, Osvaldo Mayevicz, Fernando Vale, Matheus Brus, Christiano Santos e Antonio A. Alves.

Recomendo a leitura de
“A Faca e o Bolo”, poema deste macróbio que vos fala:
“Memórias Tortuosas”, de Girvany de Morais:

 Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve e publica neste seu blog literário aRTISTA aRTEIRO todo domingo e colabora no Ad Substantiam às quintas-feiras.  É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. E em breve também professor de História. É graduado em Letras-Português. É pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”; autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).
 Ilustração de Jeferson Adriano.


Escrito entre 10 de outubro de 2017 e 14 de janeiro de 2018.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

DESVIO CULTURAL 2018 – parte 01


Leitura do cronto pelo autor postado no canal aRTISTA aRTEIRO do youtube:

O céu está azul; mortiço. Relâmpagos e trovões o atravessam, mas sem luz nem ruído. Inacreditável, mas é realidade. Na Estação Memória o trem da História fez parada e um Desvio Cultural combatente desembarca. Artistas dialogam entre si e suas obras expõem ao povo a realidade.
- Artista apresenta uma luz que mostra os horrores para as pessoas escaparem ou melhorarem suas vidas. – Diz Camila Oliveira e Rosane Dias continua: Mas o povo prefere uma bonita luz que esconde os horrores; como daquele peixe abissal com assustadores dentes... Quando vê, já é tarde demais.
 

As duas – Camila e Rosane – falam e discutem através de suas obras a sexualidade e sensualidade da mulher assim como quem é o dono do corpo. E BIL expõe em fotos e vídeos a liberdade humana enfrentando as opressões sociais.
- É bem assim mesmo. Um conhecido nosso foi ao cinema ver filme de guerra e na entrada tinham cartazes anunciando: “Este filme contem cenas fortes que podem afetar ao espectador.” – Fala o Coletivo BIL. – Então comprou a entrada, pipoca e refrigerante. Depois entrou no cinema e viu como era torturado um soldado. Na mesma hora o sujeito se levantou, jogou a pipoca para cima e o refrigerante para os lados... Estava terrivelmente alterado. Aí saiu do cinema e na primeira delegacia que encontrou fez um boletim de ocorrência protestando pela violência.¹
E este macróbio que vos fala não se cala e dialoga sobre o fazer artístico, a política, a religião, a história; apresenta a arte e a História esclarecendo enquanto a política e a religião obscurecem...

- Este haicai que compus fala bem a atuação dos artistas:
Manhã galo canta
Sol surge beijando nuvens
Canto iluminado.
- A Monarquia brasileira começou submetida à Inglaterra e Dom Pedro I, aos nobres e aos endinheirados portugueses. Os britânicos interesses motivaram “nossa” Independência; ela não aconteceu por vontade, interesse e maturidade nacional, mas pela necessidade inglesa de conseguir matéria prima para suas indústrias em plena Revolução Industrial; já que com o retorno de Dom João VI para a Europa a aquisição desses produtos ficaria mais cara por passarem antes por um atravessador: Portugal. E a primeira Constituição brasileira, a de 1824, foi outorgada antecipadamente e, portanto, despreparada ou inadequada para as nossas necessidades; isso porque a elite do Império não se importava com as pessoas. Contudo, alguns desaprovavam a submissão de Dom Pedro; mas minhas dúvidas, quase descrenças, são se essa reprovação seria por maturidade de ideias ou seria cópia dos ideais mundo afora? E se alguém mais está vendo o presente repetir o passado...²
- O Governo, não importa em qual instância, se federal, estadual ou municipal, vê a população como sua inimiga e por isso define o que alguém pode pensar, falar e acreditar; caso contrário não seria... não é cidadão. – Contribui Maria Cloenes e Bárbara Vanuza acrescenta: O Governo brasileiro pratica, mas não admite, a censura. Proíbe homens nus, mas nada faz quando a mulher aparece despida. 


As duas – Cloenes e Bárbara – mais Nilmar falam em seus trabalhos sobre a ida e vinda da vida, o vestir social e a aridez do povo.
No céu azul e mortiço, relâmpagos e trovões sem luz nem ruído. Mas na Estação Memória o trem da História fez parada em 2017; desembarcou um Desvio Cultural combatente. Em 2018 o Desvio Cultural continuará bombardeando a pouca recordação popular do que lhe acontece a mais de meio milênio; continuará a batalha em apoio às artes, contra a censura, a favor da liberdade de expressão.


Ofereço como presente aos aniversariantes:
Graça Lopes, Sandra L. Oliveira, Jaeder T. Gomes, Rair Anício, Elis Nunes, Pedro Oliveira, Fabiane Martins, Gleicon U.A. Moreira, Jose L. Reis, Claudio Oliver, Edson Nascimento, Ana Lucia, Meiriane C. Castro e Elizete S. Losignore.

Recomendo a leitura de:
“Bailarino”, de Girvany de Morais:
“Encontro”, de Xúnior Matraga:
“Significado e Significante”, de Sued:
“Aprender a Dizer Sua Palavra”, deste macróbio que vos fala:

¹ Adaptação de uma fala de Luis Gonzáles comigo no facebook.
² COSTA, Marcos. A História do Brasil para quem Tem Pressa. 2. ed. Rio de Janeiro: Valentina, 2017. P. 65-69.

Fotos: Acervo do Desvio Cultural 2017. Respectivamente as fotos são sobre os trabalhos dos artistas: 1ª) Camila; 2ª) Rosane; 3ª) Rubem; 4ª) Cloenes; 5ª) Nilmar e Bárbara;

Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve e publica neste seu blog literário aRTISTA aRTEIRO todo domingo e colabora no Ad Substantiam às quintas-feiras.  É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. E em breve também professor de História. É graduado em Letras-Português. É pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”; autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).


Escrito entre a noite de 01 de outubro de 2017 e 08 de janeiro de 2018.